quinta-feira, 11 de março de 2010

Uma vergonha de entrevista


É verdade: eu também vi a entrevista de Cavaco Silva àquela senhora, também achei que o homem estava irritadiço, indisposto, mesquinho, previsível, nas ferroadas ao Governo, a quem deve alguma solidariedade institucional que não tem. Mas decidi não dizer nada a quente.

Digo-o agora: foi uma entrevista aflitiva, por ele e pela entrevistadora, que passou a vida a pôr-lhe as respostas na boca e a meter os pés pelas mãos: desculpe se lhe perguntei isso, um Presidente tem de ter muita paciência, não tem?

Paciência, minha senhora, tivemos de ter nós a ouvi-la. Que não compreendemos porque não lhe perguntou pelo BPN, que estamos todos a pagar, pelos negócios, chorudos, que ele próprio fez com o BPN, em proveito próprio e da família. Quem tem amigos? Ah não: o mínimo que temos o direito de saber é se aquelas acções foram mesmo obtidas por negócio particular ou se lhe foram oferecidas. E sendo que "não há almoços grátis" que vantagens, em sua opinião, pretendiam obter em troca os amigos Dias Loureiro, Joaquim Coimbra, Oliveira e Costa pelos favores que lhe fizeram?

Também se estranha que aquela senhora se tenha deixado intimidar na questão das escutas. Porque é perfeitamente irrelevante que ele se tenha ofendido com as dúvidas levantadas por dois deputados socialistas com base numa notícia do então Semanário, transcrita no site do PSD, sobre a eventual participação de assessores do PR na elaboração do Programa do Governo do PSD.

O que importava esclarecer, tornar bem "transparente", porque se trata da actuação do mais alto poder do Estado, é por que razão um seu homem de mão, com o seu conhecimento, quis "plantar" no Público duas manchetes falsas, a poucos dias das eleições, tendentes a denegrir o Governo e influenciar as eleições, como se viu.

O Público mentiu, como Fernando Lima veio dizer seis meses depois? Então por que razão o Senhor Presidente não o disse logo, ou pelo menos na sua intervenção de finais de Setembro, preferindo justificar-se com os alegados ataques dos tais deputados socialistas? Era o que uma jornalista a sério não podia ter deixado de perguntar. Sem agressividade. Mas também sem risinhos cúmplices.

A jornalista portou-se mal, e é sempre assim com entrevistados de direita, às vezes também, quando tem medo deles, de outros entrevistados. Mas o pior é o que Cavaco Silva disse e não devia dizer.

Não devia dizer que não pode demitir o Governo por falta de confiança política, ficando no ar que se pudesse era já, o que é uma vilania da sua parte. Porque é mentira.: pode isso e muito mais. Basta-lha alegar (e não precisa de provar) que está em causa o regular funcionamento das instituições.

Foi aliás o que fez quando se recusou a dizer se estava esclarecido sobre o negócio falhado da compra de uma parte minoritária da TVI pela PT. E razão tem o Público desta vez para pôr em manchete que o Presidente não acredita que o Primeiro Ministro não tenha tido conhecimento do negócio.

Sei que não foi isso que ele disse, só insinuou, valorizando o que a jornalista lhe propunha que dissesse: que no seu tempo, como bom Primeiro-Ministro que era, uma coisa dessas era inconcebível. Nas entrelinhas: este PM nem respeito lhe têm. Mas disse mais: como é que se há-de ter estar esclarecido se o Parlamento acaba de decidir uma comissão de inquérito?

Ei-lo mais uma vez ao serviço da guerrilha em curso, fazendo tábua rasa das declarações de Zeinal Bava e de Henrique Granadeiro, aliás nº 2 da lista de João Salgueiro, que se lhe opôs na Figueira da Foz, já lá vão 25 anos.

Penso que um Presidente da República devia afirmar-se como um homem bom, de ideias generosas, capaz de desarmadilhar agressividades inúteis, de ajudar o País a andar para a frente, como aliás ele próprio prometeu há quatro anos. Foi todo o contrário. Para vergonha nossa, a tal grande dama do jornalismo (ia dizer do PSD) foi incapaz de o confrontar com as promessas de há quatro anos. Deixou-o dizer. O que ele queria. E não o que é verdade
e ele não quereria dizer.

Foi uma vergonha de entrevista. Para tempo de antena, para lançamento da sua recandidatura a Belém, melhor era impossível.

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