segunda-feira, 8 de junho de 2009

O Tratado de Lisboa foi ontem a enterrar


As eleições foram uma catástrofe política para a Europa em quase todos os países. Porque simplesmente, à esquerda e à direita, ganharam sobretudo os cépticos, os adversários, os ressabiados, os inimigos, do ideal europeu. E não falamos sequer da extrema direita, que arrasou na Grã-Bretanha, consolidou-se em Itália, impôs-se na Holanda. Falamos dos ideais proteccionistas que prosperaram, da desconfiança e do primarismo político que os eleitores premiaram. Neste sentido é que estas eleições europeias são sobretudo um triunfo da extrema direita antieuropeia, mais do que uma normal vitória da direita moderada, e muito menos da extrema esquerda, como se poderia pensar, vistas as coisas aqui do quintal.

De facto, tirando Portugal, a extrema esquerda europeia não saiu das covas em que tem vegetado nos últimos vinte anos. Besancenot, o mais próximo companheiro de armas de Louçã em França, depois de ter tido nas sondagens uns 15% para o seu Novo Partido Anticapitalista - "os ricos que paguem a crise" - ficou-se por menos de 5% e um deputado.

Quem ganhou muito em França e ficou a uma unha negra de bater os socialistas foram os centristas e altermundialistas da Europe Ecologie - liderados pelo alemão Daniel Cohn-Bendit, líder de Maio de 68, pela norueguesa Eva Jolie, uma magistrada anti-corrupção do gabarito, e com o mesmo insucesso, de uma Maria José Morgado, entre nós, e pelo campónio José Bové.

Claro que também ganhou o populista, proteccionista, nacionalista (será ainda gaullista?), partido do Presidente Sarkozy, o UMP. E ganhou, precisamente, por ter desencadeado o proteccionismo francês contra a europeia liberdade de circulação de pessoas e bens. Ganhou contra a Europa e isto é uma catástrofe política, pior do que a subida imprevista do UK Independence Party que reclama a saída da União Europeia. Ou a dos alegados fascistas do BNP que fazem uma entrada triunfal no PE com 2 deputados.

Acontece que os conservadores, que também ganharam nestas europeias e se preparam para arrasar a concorrência nas próximas legislativas britânicas, são contra o Tratado de Lisboa, propõem-se voltar atrás na ratificação parlamentar que já ocorreu e submeter o Tratado ratificado à humilhação de um referendo, o que deverá fazer estremecer de emoção os nossos Pachecos Pereiras domésticos. Mais do que Irlanda, o Reino Unido quer-se fora da Europa, não avança nem deixa avançar, melhor seria que saísse de uma vez, o UKIP é mais honesto do que o Partido de David Cameron.

De facto, que é que o Reino Unido está a fazer na Europa? Não é do Espaço Shenghen. Está fora do euro. Excluiu-se da Europa Social. A Suiça partilha mais das vantagens e inconvenientes das leis da União Europeia do que a Grã-Bretanha.

UKIP, BNP, Conservadores, vão unir-se para a machadada final no Tratado de Lisboa, para fazer a vida negra ao euro, para deitar abaixo o que restar da União Europeia, depois da guerrilha que agora começa. Com Durão Barroso ao leme da Comissão, ungido por Berlusconi e Sarkozy, com um Executivo amolecido, que não teve, nem terá, autoridade para contrariar os proteccionismos que aí estão, não saímos da cepa torta. Iremos de recuo em recuo até à debandada final.

Para a Europa é sobretudo esta falta de força, esta inanição, da Comissão Europeia, que constitui o problema. Como naquela parábola profética do genial Georges Pérec:
Trois cardinaux, un rabbin, um amiral franc-maçon, un trio d'insignificants politicards soumis au bon plaisir d'un trust anglo-saxon, ont fait savoir à la population par radio, puis par placards, qu'on risquait la mort par inanition. On crut d'abord à un faux bruit. Il s'agissait, disait-on, d'intoxication. Mais l'opinion suivit. Chacun s'arma d'un fort gourdin. "Nous voulons du pain", criait la population, conspuant patrons, nantis, pouvoirs publics. Ça complotait, ça conspirait partout. Un flic n'osait plus sortir la nuit. À Mâcon, on attaqua un local administratif. À Rocamadour, on pilla un stock: on y trouva du thon, du lait, du chocolat par kilos, du maïs par quintaux, mais tout avait l'air pourri. À Nancy, on guillotina sur un rond-point vingt-six magistrats d'un coup, puis on brûla un journal du soir qu'on accusait d'avoir pris parti pour l'administration. Partout on prit d'assaut docks, hangars ou magasins.
Plus tard, on s'attaqua aux Nord-Africains, aux Noirs, aux juifs. On fit un pogrom à Drancy, à Livry-Gargan, à Saint-Paul, à Villacoublay, à Clignancourt. Puis on massacra d'obscurs trouffions, par plaisir...
E por aí adiante, foi assim que começou... La disparition, a desaparição da Europa, que passou logo a chamar-se Uropa, após a proscrição do amaldiçoado quinto signo... Tudo arrancou num domingo, não muito acalorado, num próximo post conto-vos tudo, na forma trabalhada, ímpar, do autor.

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