Dois dias antes a Intersindical promovera uma manifestação avassaladora a celebrar a vitória da unicidade sindical - ficava proibida a existência de mais de um sindicato por profissão e/ou por sector de actividade, o qual inevitavelmente seria controlado pelo PCP, como acabava de acontecer em todos os plenários da Cintura Industrial de Lisboa, de braço no ar, em que as posições contrárias nem aos microfones conseguiam chegar.
E, naquela mesma noite, três porta-vozes autorizados do MFA, liderados por Vasco Lourenço, tinham comparecido na RTP, a ameaçar o PS, que a unicidade tinha sido aprovada pelo MFA, e não ia voltar atrás, combatê-la era fazer o jogo da reacção. Manuel Alegre, que aderira ao PS um mês antes na Reitoria, ele não é fundador, fez o segundo melhor discurso da noite: "O PS não tem medo de sobrolhos carregados, sejam eles civis ou militares".
Parece-vos banal hoje? Pois foi histórico. Nos dias anteriores o DN, então dirigido por um velho republicano (José Ribeiro dos Santos) tinha consentido em publicar uma troca de artigos sobtre a questão sindical, em que se digladiaram Carlos Carvalhas, secretário de Estado do Trabalho, que na altura dizia não ser do PCP (!), e Salgado Zenha, então ministro da Justiça !
A publicação desses artigos de Zenha no DN fora uma lança em África - os jornalistas, os tipógrafos, e demais "classe operária", foram apanhados desprevenidos. Não tinham tido tempo para correr com o director "socialista", fizeram-no depois.
Como foi uma lança em África a convocação daquela manifestação do PS ─ a primeira contra uma decisão política do MFA, com respaldo de milhares de plenários sindicais, contra a chamada União POVO - MFA, que compreendia PCP/MDP/FSP/MES. É/foi uma data fundamental na marcha para a democracia, numa altura em que nem as eleições para a Constituinte estavam garantidas.
Esteva na sede do PS naquele dia 11 de Janeiro, quando apareceu Lopes Cardoso a dizer: "Vamos convocar uma manifestação contra a unicidade, é o momento de sabermos o que valemos como Partido". Anda naquele dia 11, na sede da FAUL, interinamente dirigida pelo António Guterres (a FSP de Manuel Serra, vencida, por pouco, no Congresso da Reitoria um mês antes acabava de abandonar o PS com enorme estardalhaço mediático).
Fizeram-se os cartazes no próprio dia e foi mesmo possível arranjar uma tipografia que os imprimisse. E numa única noite, o PS mobilizou-se para cobrir todas as ruas de Lisboa: "Contra a Unicidade Sindical, Pela Unidade e Liberdade dos Trabalhadores".
No dia 13, no Pavilhão dos Desportos, o único apoio exterior ao PS era o dos anarquistas que distribuíam "A Batalha". Pois, mesmo assim, naquela noite histórica, tiveram que se retirar todas as cadeiras do Pavilhão para caberem mais pessoas. Nem assim, não cabia uma agulha lá dentro, transpirava-se à farta, arranjaram altifalantes para que o comício pudesse ser ouvido cá fora. Como um dos organizadores, achei que me devia sacrificar: saí para dar lugar a outros.
Havia ajuntamento cá fora, nunca tinha visto tanta gente num comício nocturno, a meio de uma semana de trabalho. Claro que apareceram meia dúzia de provocadores: "aquilo eram os fascistas a levantar cabelo", "aquilo não podia ser o PS que não tinha tanta gente", "O PS aliava-se à reacção, era uma traição aos trabalhadores", "Fascismo, nunca mais!". Aguentámos a pé firme.
Naquele dia o PS começou a marcar as suas diferenças da restante esquerda. Como é que alguns só se lembram de uma manifestação atípica de meia dúzia de feministas, que naquele dia de "electricidade no ar" queimaram uns soutiens? Tiveram uns contratempos?! O PS também, por toda a cidade!
O 13 de Janeiro de 1975 é uma data que o PS e todos os democratas deviam celebrar.
Não estive lá, mas tenho pena. Adorava ter assistido a este e outros momentos como este. No entanto não perdi todos. Mas há uns quantos que gostava mesmo de ter assistido. É a vida!
ResponderEliminarpois é Zé, mas se nem o PS se lembra...
ResponderEliminarCaro Zé Teles:
ResponderEliminarGrande "post" e excelente memória! Parabéns. Abraço
Carlos, o PS não se lembra porque já não é o mesmo PS. Dos oradores daquele Comício sobrou o Manuel Alegre, marginal, como sempre foi, e isto é um elogio. Mas estará pouco interessado em que se saiba como ajudou o PS a levantar-se contra a Aliança Povo-MFA, que é de facto a sua actual base de apoio. De resto, dos actuais dirigentes, só me lembro de um que já era do PS na altura: tinha 17 anos e dava cartas nos Açores. Conheci-o em Março de 1975, num comício do PS em Porto Formoso, S. Miguel. Chamava-se, ainda se chama, Carlos César.
ResponderEliminarFrancisco, a memória às vezes prega-nos partidas. Falo no post na União Povo-MFA: devia ter dito Aliança Povo-MFA, que albergava naquele tempo "os bons" socialistas, o MDP de Tengarrinha, e outros "democratas honrados", a FSP de Manuel Serra e o MES de Augusto Mateus e de Ferro Rodrigues, as voltas que o Mundo dá! Até esse início de 1975 era Mário Soares que falava de um possível Programa Comum da esquerda, do PS e do PCP. Cunhal, não queria saber dessas francesices: a sua aliança era com os militares, os únicos "socialistas" em que confiava eram os do MDP/CDE.