domingo, 28 de novembro de 2010

Ditosa Pátria


Um amigo mandou-me um poema de Jorge de Sena. Escrito no exílio, na desesperança do ano de 1961, quando Humberto Delgado acabava de ser expulso das Forças Armadas e se refugiara no Brasil, quando Henrique Galvão tomava o Santa Maria, quando o MPLA atacava as cadeias de Luanda e a UPA massacrava no Norte de Angola, quando Goa, Damão e Diu eram ocupadas pela União Indiana, quando a revolta de Beja não dava em nada, quando as cadeias estavam cheias a rebentar de presos políticos, quando Salazar parecia eterno, quando o Dia do Estudante desencadeava uma repressão feroz. Poema datado? Talvez. Vejam bem:

A Portugal

Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
a pouca sorte de ter nascido nela.

Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.

Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fátua ignorância;
terra de escravos, cu p’ró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol caiada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assina a merda o seu anonimato;
terra − museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secas
como esses sentimentos de oito séculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:

eu te pertenço. És cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço: mas ser’s minha, não.


Dezembro de 1961

in «Quarenta Anos de Servidão» Lisboa, 1979


Passaram quase 50 anos sobre o poema de Sena. Hoje voltamos talvez a poder dizer "esta é a ditosa Pátria minha amada".
  • A minha Pátria do PS e dos bons empregos para tapar manobras internas (caso Víctor Baptista),
  • a minha Pátria do PS e dos honorários chorudos por coisa nenhuma (Tagus Park e escritório José Miguel Júdice),
  • a minha Pátria do PS e dos salários milionários a pequenos gestores da cultura (Guimarães capital da cultura).
Mas também
  • a minha Pátria de Alberto João Jardim sempre perdoado apesar de reincidente nos insultos a quem lhe dá de comer,
  • a minha Pátria de Pacheco Pereira, sempre na vanguarda dos seus aliados do Ministério Público,
  • a minha Pátria de Belmiro de Azevedo & filhos feitos com a conspiração castelhana na Opa da PT por causa da Vivo,
  • a minha Pátria de Cavaco Silva, sempre bajulado apesar dos seus negócios particulares no BPN, aliás em sintonia total com o PSD, pelo menos na inventona das escutas.


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