O João Ubaldo Ribeiro é dos meus escritores brasileiros preferidos. Calculem a minha emoção quando em mais uma volta pela blogosfera encontrei este diálogo num boteco do Leblon:
— Estouro da boiada, como assim ?
— A boiada que é povo brasileiro, nós sempre fomos boiada (Modéstia sua, cara, boiada somos todos!) (...) O estouro pode começar com qualquer coisinha besta, até o estalido de um graveto. Então é isso, eu fico com medo que, quando menos se espere, o graveto estale.
É o que eu digo sempre: uma revolta pode acontecer quando menos se espera. Ou sendo previsível e esperada falhar por uma coisinha de nada.
Sabem como foi o 18 do brumário, que pôs no poder Napoleão Bonaparte por muitos anos ? Uma pantomina, a tomada de uns quartéis pela exibição de um documento, o senatus-consultus, que não existia desde a Roma antiga.
E a revolução de 1385 liderada pelo Mestre de Avis ? Uma aldrabice à partida: ele mandou dizer pela cidade que no Paço matavam o Mestre quando tinha sido o Mestre a matar à traição o Conde Andeiro braço direito da Rainha.
E a revolução de Outubro de 1910? Não tinha passado de um motim na Rotunda e de uma salva de tiros sobre as Necessidades quando o Rei fugiu.
E a revolução francesa de 1789? Nada a fazia prever. Leiam ou releiam a fenomenal abertura do livro de Charles Dickens, The Tale of Two Cities: parecia tudo perfeito, vivia-se no melhor dos mundos...
Vocês querem é saber o que diz o João Ubaldo? Por isso não seja a dúvida: aí vai o texto, a parte final que o resto é política brasileira, antiga, uma conversa de café, no domingo que se seguiu à reeleição do Lula:
— Viu você, viu você? É verdade, eles vivem fazendo o possível para que o povo ache que não precisa de Congresso, que só faz trazer despesa e vergonha, além de atrapalhar o governo. E toda hora aparece confusão, como essa dos aviões. Ninguém consegue viajar e quem consegue viaja rezando. E tudo mundo tem cada vez mais medo de tudo, tem gente que não bota o pé fora de casa e cataloga quem pode entrar com um sistema eletrônico de impressão digital, nem amigo entra, se não estiver com a impressão digital cadastrada. Então eu fico com medo do estouro da boiada.
— Estouro da boiada, como assim?
— A boiada que é o povo brasileiro, nós sempre fomos boiada. Tu é do tempo em que a gente lia no colégio duas versões do estouro da boiada, uma do Euclides da Cunha, outra do Rui Barbosa. O estouro pode começar com qualquer coisinha besta, até o estalido de um graveto. Então é isso, eu fico com medo que, quando menos se espere, o graveto estale.
— Mas de certa forma isso seria até bom. Se houvesse uma verdadeira revolta popular, esses caras iam se mancar. Nesse caso, é uma coisa que ia te agradar, botar essa corja toda corrupta e incompetente para fora; eu vou lhe ser sincero, acho que está na hora desse estouro da boiada, acho que estamos precisando de um governo forte.
— É isso que a boiada já está começando a achar também. Pensando bem, eu não estou mais com pena nenhuma dele. (do Lula)
Gosto deste texto. Que se passa num muito brasileiro boteco do Leblon - ah bairro lindo! - mas bem podia ter acontecido na Brasileira do Chiado, entre nós, intelectuais de esquerda ou de direita, a vituperar a choldra que somos, a enaltecer a revolta popular que aí vem.
O gado anda agitado. O estouro pode começar com qualquer coisinha besta, até o estalido de um graveto. Este blogue promete que vai estar atento aos estalidos do graveto. E a qualquer reacção disparatada da boiada que somos todos nós.
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