domingo, 31 de maio de 2009

Quem tem amigos

A mim não me impressiona a legalidade da compra de 250 mil acções da SLN pelo Presidente da República, em conjunto com a filha, ao preço de 1€, a sua venda a 2,40€ menos de dois anos depois. 

Impressiona-me que tantas e tão boas acções - a um preço tão conveniente, em 2001, e tão generosamente valoradas, em 2003 - não estavam na bolsa: era preciso ter-se conhecimentos, amizades bem colocadas dentro da empresa, uma disposição favorável, vantagens para quem vende como para quem compra, que não há almoços grátis, como se farta de dizer um antigo conselheiro do senhor Presidente da República.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Em Portugal não se sabe quando são as europeias

Uma sondagem do Eurobarómetro realizada nos 27 países da UE publicada em Bruxelas a 25 de Maio revela que, pelo menos até 15 de Maio, 60% dos portugueses não sabia a data das eleições europeias. Os serviços de informação do Parlamento Europeu entre nós fazem o quê? Ou será mesmo defeito do mau jornalismo que globalmente se pratica entre nós ? 

A mesma sondagem do Eurobarómetro tem duas notícias espantosas: 
  1. que a Suécia, que em referendo muito participado na altura se pôs fora do Euro, em oito meses, desde que estalou a crise financeira internacional, passou de eurocéptica a euroentusiasta. 
  2. e que a Irlanda, que votou contra o Tratado de Lisboa e partilha uma boa fatia da responsabilidade de não haver capacidade de resposta da União Europeia à crise (a menos que seja desculpa de Durão Barroso), é o país onde há mais gente interessada por estas eleições europeias (72%).
Outra grande notícia desta sondagem é que se tomarmos o conjunto dos 27 é provável que a participação venha a ser maior do que inicialmente se previa: poderá chegar aos 50%. 

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quarta-feira, 27 de maio de 2009

Votar é bom mas ocupar é melhor


O que é que estalinistas, trotsquistas, maoistas podem ter em comum? Era uma pergunta que os analistas se punham perante a aliança bizarra, nunca vista, que é o Bloco de Esquerda em Portugal. Preguiça intelectual. Bastava consultar as fontes, ir às origens: "a ditadura do proletariado". Miguel Portas (acima, numa ilustração do máquina zero) foi mais uma vez trapalhão e descaiu-se: O voto é só uma das formas de luta - disse ao JN.

Só. Um meio, só, e nem sequer o mais importante, para atingir um fim: a revolução, a tomada do poder pela vanguarda iluminada, a ditadura do proletariado, envergando a toga da superioridade intelectual e  moral sobre os votos das classes menos esclarecidas. O voto é só uma das formas de luta, o que faz falta é.. avisar a malta.

Está nos livros: estamos no último estádio do capitalismo, os revolucionários não devem ter ilusões com a democracia burguesa. E há esse risco, olá se há, neste momento em que as sondagens dão resultados espectaculares para o Bloco nas próximas eleições.

O voto é um meio, nada  mais do que um meio, nem sequer o mais importante. Serve para ganhar forças, para animar a malta e prepará-la para mais altos voos, do género "em muitos países ocupam-se universidades por muito menos".

Ocupam-se universidades, ocupam-se televisões, ocupa-se a rua, ocupam-se fábricas, ocupam-se esquadras, ocupam-se ministérios, OCUPA-SE. Chama-se a isso greve insurreccional. Também está nos livros. Temos no Parlamento e na comunicação social a extrema esquerda mais prolífica do mundo, o que é bem demonstrativo do atraso em que nos encontramos e das poucas esperanças que podemos ter no futuro (essa gente primária, sectária, iluminada, arrogante, elitista, antidemocrática, pertence na às altas classes dos magistrados, professores liceais e universitários, alguns mesmo catedráticos, e deixando-os fazer muito em breve não haverá neste Paísoutros mestres senão eles.

São eles que dizem: "há muitas formas de lutar", du passé faisons table rase, "a primeira é votar no dia 7 de Junho", foule esclave, debout, debout. Isto vai dar um estoiro.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Sintra contra circos e touradas


Esta é uma notícia que já tem um mês mas só agora dei por ela: em 23 de Abril, a assembleia municipal de Sintra tomou a histórica deliberação de proibir o apoio da autarquia a espectáculos em que se inflijam maus tratos a animais (a CDU votou contra!).

Touradas e espectáculos de circos com animais ficam praticamente postergados no concelho, uma vez que não existindo infra-estruturas fixas que permitam a realização destes espectáculos em Sintra, "isto significa que não será mais dada a autorização a nenhum tipo de eventos deste tipo". Dizem os animadores da Acção Animal, que estão na origem da iniciativa do Bloco de Esquerda, de cujo site retirei a ilustração acima.

Estou totalmente de acordo. Tirando Portugal e Espanha, que eu saiba, todos os países da Europa proíbem espectáculos que exibem, ou escondem, actos de crueldade com animais. Penso nisso cada vez que vejo a pobre da "Águia Vitória" a planar sobre o Estádio da Luz e a aterrar na mão do tratador, que para isso lhe dá fominha total e outros maus tratos ao longo de vários dias. Aplaudi no dia em que a desgraçada da águia se confundiu com os papelinhos no ar e voou para fora do Estádio, estragando o espectáculo: "escolheu a liberdade".

Os animais merecem e agradecem que partilhemos com eles liberdade, gostos e arte de viver. Como na história que conta Manuel Alegre no livro "Cão como nós". Ou como no relato de uma vida de cão que faz Carlos Narciso neste post da Escrita em Dia. 
Só assim vale a pena "ter" cão ou outros animais. O respeito é muito bonito.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Um rapaz com ideias próprias



Pois, desta vez não desgostei! Falo da sua entrevista ao novo jornal i. Nos blogues, os destaques que vi são a aparente atrapalhação do candidato do PSD quando se confessa antigo "compagnon de route" do CDS/PP - "participei nuns conselhos" - e a ligeira confusão sobre a data da sua adesão formal ao PSD - "tenho um problema com as militâncias".

Foi o que me levou a ir ler na íntegra a entrevista de Paulo Rangel ao i. Pois no fim de contas, pela primeira vez nesta campanha, achei-o espontâneo e verdadeiro. Com posições desempoeiradas em várias matérias sensíveis.

Assume os ideais do federalismo europeu sem papas na língua (maizena ou outras) mas com realismo e estou de acordo com ele. Explica com total credibilidade as razões porque sendo favorável a um referendo europeu, concordou que na situação actual da Europa se justificava "um avanço mais intergovernamental do que popular", o que também me pareceu sensato.

 Também demonstra ter ideias arejadas, e no fundo muito críticas, quanto às mais polémicas das posições da Igreja Católica, de que faz parte. É pela ordenação das mulheres, pelo fim do celibato dos padres. Assume-se como "radical activista" contra as posições da Igreja em matéria de anticonceptivos e  na questão dos homosexuais. Se Bento XVI sabe disso ainda manda excomungá-lo. 

Em conclusão, Rangel quanto à sua posição na Igreja vai mais longe do que ia Guterres em 1995 em vésperas da sua primeira vitória eleitoral. Sei porque o entrevistei então para o Semanárioe lembro-me perfeitamente como as posições descomplexadas de Guterres a favor da ordenação de mulheres e contra o celibato dos padres escandalizaram alguns católicos ortodoxos como Marcelo Rebelo de Sousa.

Fico a aguardar com cufriosidade a nota que o Professor Marcelo irá dar ao seu "mau aluno" Rangel na sua próxima homilia dominical. Por mim acho que foi a sua melhor entrevista até hoje. Continuo a pensar que o Vital Moreira é o melhor dos 5. Mas ainda faltam mais de duas semanas para as eleições europeias.

Leite derramado sobre a campanha eleitoral


Em França, a luta dos produtores de leite está a inundar, literalmente, a campanha eleitoral para as europeias. Porque nos últimos três dias abre todos os noticiários. “Cercaram o Palais Bourbon”, sede da Assembleia Nacional, com rios de leite. Derramaram pelas prefeituras” leite a rodos. Tornando-as escorregadias e perigosas “cortaram algumas estradas”, o que em França é habitual e frequente, mas da competência reservada dos camionistas em greve. Venderam leite pelas ruas a um quarto do preço. E como se isso não bastasse, “entraram com as vacas pelas grandes superfícies dentro”. Em Maubeuge até obrigaram um director do Carrefour a ordenhar uma vaca. Tarefa que ele, “sem tugir nem mugir”, desempenhou a preceito.

De que se queixam os produtores de leite? Queixam-se que lho pagam a eles a 0,20 € por litro (baixou 30% no último ano), enquanto nos supermercados se vende o mesmo litro de leite a 0,86 €. 

É a consequência da desregulamentação dos preços, que toca a todos? "O Governo francês capitulou diante da lógica ultraliberal de Bruxelas" - acusa Dupont-Augnon, um deputado soberanista. Para o impagável José Bové, cabeça de lista da Europa-Ecologia, tudo se deve a "políticas neoliberais" ao serviço dos "interesses dos grandes grupos do agro-alimentar". Os candidatos da maioria presidencial falam de "esquizofrenia contestatária", mas têm dificuldade em se fazer ouvir.

Pelo menos fala-se da Europa, suas vantagens e consequências, na campanha eleitoral francesa para as eleições europeias. Em Portugal, tudo o que importa é o tumulto justicialista interno. Depois não se queixem que os eleitores não se dêem ao trabalho de ir votar.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

a boiada segundo Ubaldo

O João Ubaldo Ribeiro é dos meus escritores brasileiros preferidos. Calculem a minha emoção quando em mais uma volta pela blogosfera encontrei este diálogo num boteco do Leblon:
 
— Estouro da boiada, como assim ? 

— A boiada que é povo brasileiro, nós sempre fomos boiada  (Modéstia sua, cara, boiada somos todos!) (...) O estouro pode começar com qualquer coisinha besta, até o estalido de um graveto. Então é isso, eu fico com medo que, quando menos se espere, o graveto estale

 É o que eu digo sempre: uma revolta pode acontecer quando menos se espera. Ou sendo previsível e esperada falhar por uma coisinha de nada.

Sabem como foi o 18 do brumário, que pôs no poder Napoleão Bonaparte por muitos anos ? Uma pantomina, a tomada de uns quartéis pela exibição de um documento, o senatus-consultus, que não existia desde a Roma antiga. 

E a revolução de 1385 liderada pelo Mestre de Avis ? Uma aldrabice à partida: ele mandou dizer pela cidade que no Paço matavam o Mestre quando tinha sido o Mestre a matar à traição o Conde Andeiro braço direito da Rainha.

E a revolução de Outubro de 1910? Não tinha passado de um motim na Rotunda e de uma salva de tiros sobre as Necessidades quando o Rei fugiu.

E a revolução francesa de 1789? Nada a fazia prever. Leiam ou releiam a fenomenal abertura do livro de Charles Dickens, The Tale of Two Cities: parecia tudo perfeito, vivia-se no melhor dos mundos...

Vocês querem é saber o que diz o João Ubaldo? Por isso não seja a dúvida: aí vai o texto, a parte final que o resto é política brasileira, antiga, uma conversa de café, no domingo que se seguiu à reeleição do Lula: 

— Viu você, viu você? É verdade, eles vivem fazendo o possível para que o povo ache que não precisa de Congresso, que só faz trazer despesa e vergonha, além de atrapalhar o governo. E toda hora aparece confusão, como essa dos aviões. Ninguém consegue viajar e quem consegue viaja rezando. E tudo mundo tem cada vez mais medo de tudo, tem gente que não bota o pé fora de casa e cataloga quem pode entrar com um sistema eletrônico de impressão digital, nem amigo entra, se não estiver com a impressão digital cadastrada. Então eu fico com medo do estouro da boiada.

— Estouro da boiada, como assim? 
— A boiada que é o povo brasileiro, nós sempre fomos boiada. Tu é do tempo em que a gente lia no colégio duas versões do estouro da boiada, uma do Euclides da Cunha, outra do Rui Barbosa. O estouro pode começar com qualquer coisinha besta, até o estalido de um graveto. Então é isso, eu fico com medo que, quando menos se espere, o graveto estale.

— Mas de certa forma isso seria até bom. Se houvesse uma verdadeira revolta popular, esses caras iam se mancar. Nesse caso, é uma coisa que ia te agradar, botar essa corja toda corrupta e incompetente para fora; eu vou lhe ser sincero, acho que está na hora desse estouro da boiada, acho que estamos precisando de um governo forte.

— É isso que a boiada já está começando a achar também. Pensando bem, eu não estou mais com pena nenhuma dele.
(do Lula)
Gosto deste texto. Que se passa num muito brasileiro boteco do Leblon - ah bairro lindo! - mas bem podia ter acontecido na Brasileira do Chiado, entre nós, intelectuais de esquerda ou de direita, a vituperar a choldra que somos, a enaltecer a revolta popular que aí vem. 
O gado anda agitado. O estouro pode começar com qualquer coisinha besta, até o estalido de um graveto. Este blogue promete que vai estar atento aos estalidos do graveto. E a qualquer reacção disparatada da boiada que somos todos nós.